terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Gente demais na cama.



Você está deitada na cama com seu amor, uma cama que você gostaria de chamar de sua, mas não é possível: tem gente demais ali. É seu homem que, sem cerimônia, as convida a entrar. Primeiro vem uma, depois outra e mais outra. Elas atravessam as paredes, as portas, as vidraças e vão se deitando, todas, na cama que deveria ser sua.

Cada uma toma um bom espaço com sua presença espaçosa como um fantasma: elas vieram do passado e no passado não há chatice, não há chulé, não há tédio, não há burrice, não há constrangimentos, não há falta de desejo. Elas, as mulheres que seu homem teve, são perfeitas.

Ele varre constantemente o salão de baile das próprias lembranças e deixa ali apenas o que foi melhor. Elas pertencem à festa e fizeram por merecer tal lugar: tudo bem. O problema é que não há tranca, barra, cadeira, armário que faça a porta desse salão de baile ficar fechada. Ali é ele quem manda e se ele diz “abre-te, sésamo”, elas todas entram, todas se deitam na cama que deveria ser sua.

Você sente o espaço ficar cada vez menor e, veja, lá vem mais uma. Você se vira de um lado, de outro, tenta encontrar um cantinho onde se apoiar e, por muito pouco, não cai da cama: tem gente demais ali. Você pisca os olhos, sente o piscar, macera os olhos com a força dos cílios e das pálpebras, mas elas não vão embora: tem gente demais ali. Você se deitou para esticar os músculos, os nervos, o ventre, o sexo. Você se deitou naquela cama para ser você, mas tem gente demais ali. Elas são passado; você, presente. Porém, quando ele começa a falar delas, elas se tornam presente no agora. Elas estão presentes. Elas estão aqui. Elas incomodam.

E há os detalhes! Ele conta os detalhes da festa: sensações incríveis, imagens estupendas, de uma perfeição de face de Deus. O que você pode oferecer a um homem que já viu a face de Deus? Que ganhou o amor das profissionais do sexo, que fez delas o que bem quis, que protagonizou as mais incríveis fantasias, que foi inteiramente e estupidamente amado? Como ser medianamente boa pra um homem que já teve de tudo ?

A cama está cheia e ele quer que você acredite que você não tem cacife para estar lá. Que seja. Tudo o que você tem é um caldeirão de feitiços que não foram lançados, sua vida é uma eternidade de irrealizações que tem uma fome imensa, imensa de tudo.

Então você se encolhe no escuro, no pedacinho torto que sobrou para você naquele glorioso e povoado colchão. Em breve, será inevitável, ou você cai ou você se levanta, afinal, tem gente demais ali.


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